Imigração: o que pensam os europeus?

 em European Social Survey, Geral, Inquérito Social Europeu

Por Alice Ramos.

 

A história recente da Europa tem sido marcada por alterações profundas nas dinâmicas migratórias. De acordo com o International Migration Report das Nações Unidas (2017), o número de pessoas que se movimentam por todo o mundo não para de aumentar e a Europa tem sido um palco particularmente intenso destes fluxos migratórios, com contextos e causas muito diferentes. A fuga de capital humano especializado na sequência da crise económica, o retorno de muitos imigrantes aos seus países de origem na sequência da crise económica, bem como o drama vivido pelos refugiados, originaram mudanças sociais que de uma forma ou de outra, com maior ou menor intensidade, influenciaram o dia-a-dia do cidadão comum e agitaram as suas crenças e opiniões sobre o assunto.

 

Paralelamente a estas mudanças, assistimos à emergência de posições ambivalentes relativamente à imigração e aos imigrantes. Ao mesmo tempo que o discurso do igualitarismo e da solidariedade promove o espírito de ajuda e apela à capacidade de acolhimento dos países europeus, o discurso contra a imigração e os imigrantes, frequentemente associado ao elogio da nação, assume contornos de uma violência extrema. Viktor Orbán, primeiro-ministro húngaro desde 2010, é talvez a face mais visível deste discurso de incitamento ao ódio que, como veremos, encontra eco numa parte significativa da população húngara. As suas declarações públicas incitando ao ódio e ao medo – “Migration is dangerous to public security, to our welfare and to the European Christian culture”, “We don’t see these people as Muslim refugees. We see them as Muslim invaders” – ou associando a Democracia à rejeição de imigrantes – “Democracy was reinstalled as Austrians who do not want immigration elected a governement which also opposes to immigration. This will be the same everywhere in Europe, I believe this is only a matter of time” – são, por exemplo, partilhadas por Milos Zeman, presidente da República Checa desde 2013, ou por Péter Szijjártó, ministro dos negócios estrangeiros da Hungria que é peremptório ao afirmar que os europeus não querem a imigração. Será mesmo assim?

 

Os dados do European Social Survey mostram, apesar de tudo, um panorama bem distinto. Para percebermos o que pensam os europeus, comparámos dados da primeira Ronda do ESS (recolhidos em 2002/03) com dados da Ronda 7 (2014/15) e da Ronda 8 (2016/17). Desta forma, pudemos ver não só as opiniões dos europeus, como identificar mudanças no tempo e o sentido dessas mudanças.

 

1. Quem não pode entrar?

O ESS contempla habitualmente três perguntas para avaliar a opinião relativamente à permissividade dos residentes em cada país no que se refere à entrada de pessoas: a) de raça ou grupo étnico diferente do que a maioria do [país]; b) da mesma raça ou grupo étnico que a maioria do [país]; c) dos países mais pobres fora da Europa. A resposta é dada numa escala de 4 pontos (1- deve deixar vir muitas pessoas; 2-deve deixar vir algumas pessoas; 3-deve deixar vir poucas pessoas; 4-não deve deixar vir ninguém)- As respostas mostram uma distinção entre um dos grupos (pessoas da mesma raça/grupo étnico) e os outros dois (pessoas de raça/grupo étnico diferente e pessoas provenientes dos países europeus mais pobres) (Gráfico 1). Os resultados apresentados referem-se à Ronda 8, mas este é um padrão que temos vindo a observar consistentemente desde 2002/03.

 

Gráfico 1- Abertura/Oposição à entrada de diferentes grupos de imigrantes

 

Dada a semelhança do padrão de resposta aos dois últimos grupos construímos um índice de oposição à imigração que, de um modo geral, representa o atual perfil de quem procura a Europa para trabalhar e viver.

 

2. Quantos podem entrar?

 

Se considerarmos o conjunto dos 17 países, os dados revelam uma opinião estável, coincidente com o ponto médio da escala (2.5).

 

Gráfico 2- Evolução da oposição à imigração na Europa

 

Mas esta aparente estabilidade esconde mudanças com um significado muito importante. Este padrão de estabilidade apenas se encontra na Eslovénia, que não registou mudanças estatisticamente significativas entre 2002/03 e 2016/17. Os países onde se registam os maiores aumentos correspondem àqueles onde o discurso político de aversão aos imigrantes e à imigração tem sido mais incisivo. Hungria e República Checa, que desde 2002/03 já vinham a registar um aumento sistemático de oposição à imigração com valores superiores à média europeia, atingem em 2016/17 os valores de oposição mais elevados no conjunto dos países analisados. Nesta mesma ronda do ESS, observamos também um aumento de oposição na Áustria e na Polónia.

 

Metade dos países analisados contrariam esta tendência. Holanda, Noruega e Portugal apresentam uma queda sistemática de oposição à imigração; e se os dois primeiros sempre estiveram abaixo da média Europeia, Portugal junta-se a eles pela primeira vez em 2016/17. A Alemanha, que em 2002/03 estava no ponto médio da escala, baixou em 2014/15 para uma posição de maior abertura à imigração que se mantém na última ronda do ESS. O gráfico 3 resume a variação registada nos diferentes países entre 2014/15 e 2016/17.

 

Gráfico 3-Diferença de médias na oposição à imigração no ESS7 (2014/15) e no ESS8 (2016/17)

A conclusão mais importante que retiramos desta análise é que são mais os países em que a oposição à imigração diminuiu do que aqueles em que aumentou. Portugal foi o país onde se registou a maior mudança no sentido da abertura à imigração, seguido pelo Reino Unido. Hungria e Polónia, encontram-se no polo oposto tendo registado o maior aumento no sentido da rejeição de imigrantes.

 

Estes dados tornam-se ainda mais interessantes se os compararmos com as percepções sobre a presença de imigrantes em cada país. O gráfico 4 evidencia a diferença que existe entre a realidade e a forma como ela é percepcionada. Portugal e Reino Unido são dois dos países onde esta diferença é maior, o que de certa forma contraria o argumento de que a atitude dos Portuguese se deve à fraca presença de imigrantes no país. A verdade é que apesar de, em 2014, a população residente nascida noutro país representar apenas 8%, os portugueses achavam que, em média, este grupo de pessoas correspondia a 24% da população. Esta percepção não os impediu de responderem que Portugal devia estar aberto a receber mais imigrantes.

 

Gráfico 4 – População estrangeira residente: dados oficiais e percepções subjetivas (2014)

Uma vez que esta disparidade entre realidade objectiva e percepção subjetiva ocorre, com maior ou menos intensidade, em todos os países, outras razões haverá, para além da presença de imigrantes, que expliquem as diferentes atitudes de abertura/oposição à imigração observadas entre países.  Em breve abordaremos uma  dessas possíveis explicações: as percepções de ameaça realista e simbólica associadas aos imigrantes.

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